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A coleção

Eu tava fazendo uma coleção de sons vazios.
Encontrei o primeiro.
Aí, quando encontrei o segundo, já tinha um repetido para trocar.
Eu chamava duplicata. Eu não, meu pai. Mas eu achei legal.
E quando vinha outro igual, eu chamava repetido de novo, porque triplicata era palavra tão feia que nem
maquiagem importada tinha jeito de abonitar.
Podia até ser replicata. Que era uma palavra nova menos feia e era só minha naquele tempo, porque a
minha língua foi o primeiro pincel que pintou ela até aquele dia.
Só sei que foi nessa hora que os sons começaram a ficar bem enchidos.
Eles se encheram tanto que a coleção ficou barulhenta.
Eram todos diferentes e não serviam para nada, porque já vinham escritos.
Sons escritos não são bons.
Aí deu pena, porque eles mesmos acabaram com a minha coleção que ficou sem graça, com um montão
de sons cheios dos sentidos dos outros.
Eu preferia a minha coleção de sons vazios com as minhas próprias palavras.
Todos felizes, desenchidos à espera do sentido que eu escolhesse para cada um.
Foi por isso que eu comecei uma coleção de poemas com as palavras que eu pintava do meu jeito.
Era minha coleção de palavras arrumadas.
Nessa, nunca tinham duplicatas.

 

Poesia interpretada por Amanda Coronha:

 

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